O Governo angolano, nesta tentativa de mostrar que, ao contrário do que se diz, Roma e Pavia se fizerem num dia, vai começar o processo de descentralização administrativa, anunciado anteriormente pelo Presidente da República, João Lourenço, com a área da gestão do saneamento em Luanda, passando competências para o governo provincial.
De acordo com um despacho presidencial de Novembro, João Lourenço aprovou um reajuste na Unidade Técnica de Gestão do Saneamento de Luanda (UTGSL), considerando a “necessidade de se aprofundar o processo de desconcentração” da administração do Estado.
No caso das alterações à UTGSL, que fica sob superintendência do governador da província de Luanda – a primeira medida concreta do género aprovada por João Lourenço -, inserem-se na “consolidação das bases do Processo de Descentralização administrativa que conduza à efectiva aproximação dos órgãos de decisão às populações, dotando-as de capacidade institucional para assegurarem com a adequada eficiência e eficácia o serviço público para o qual são vocacionadas”.
O Presidente da República assumiu em Outubro que a instituição das autarquias locais no país é um “desafio central” para a actual legislatura, que decorre até 2022.
“Um dos desafios centrais que assumimos para esta legislatura é passar as autarquias locais do texto constitucional para a realidade dos factos. É importante assegurar que o Estado esteja mais próximo dos cidadãos”, disse João Lourenço.
Angola continua sem realizar as primeiras eleições autárquicas no país, cujas administrações municipais são nomeadas pelo poder central, perante as fortes e reiteradas críticas dos partidos da oposição.
Entre outras alterações, o despacho assinado por João Lourenço define que compete ao governador provincial de Luanda nomear e exonerar o director da UTGSL, aprovar o respectivo programa de acção, modelo de organização e funcionamento.
Está também definido que a UTGSL coordena todo o processo da “expansão dos sistemas de drenagem pluvial e recolha, tratamento e rejeição final das águas residuais”, para “garantir-se a funcionalidade e a observância dos padrões de qualidade das novas urbanizações”, de acordo com o programa estratégico para a província de Luanda, actualmente com perto de sete milhões de habitantes.
Assume ainda, entre outras competências, a coordenação e execução de eventuais expropriações por utilidade pública, bem como “elaborar e implementar” o projecto de macrodrenagem na cidade de Luanda, além de gerir o programa de saneamento da província.
A 14 de Novembro, em Luanda, o vice-Presidente da República, Bornito de Sousa, afirmou que o Governo angolano pretende descentralizar competências e meios para os municípios, começando na edução e saúde, antes da realização das primeiras eleições autárquicas.
A posição foi transmitida na abertura da quinta edição do Fórum dos Municípios e Cidades de Angola, que passou a ser um órgão auxiliar da Presidência da República.
Na sua intervenção, Bornito de Sousa enfatizou que “implementar gradualmente as autarquias locais é uma promessa eleitoral para cumprir” (ficamos assim a saber que outras haverá que não são para cumprir) neste mandato, mas que para tal “é fundamental” levar “a sério o processo de desconcentração e a transferência de competências para os municípios”, por serem “pressupostos essenciais para a criação das condições para a materialização das autarquias locais”, nos actuais 164 municípios.
“Os departamentos ministeriais e os governos provinciais devem, neste quadro, evitar substituir-se aos municípios, privilegiando capacitá-los para melhor e mais eficazmente exercerem as suas atribuições”, alertou o vice-Presidente da República.
Até à instituição das autarquias locais, o Governo central pretende avançar com a descentralização de funções para as actuais administrações municipais e governos provinciais, âmbito da Reforma do Estado a realizar ao longo da actual legislatura.
Saneamento básico em Luanda?
Em Março deste ano morreram pelo menos 11 em Luanda em resultado das fortes chuvas que inundaram mais de cinco mil casas, o desabamento de algumas e desalojando perto de 400 famílias . A culpa, é claro, é dos portugueses.
As chuvas inundaram ainda duas escolas, sete centros de saúde e uma igreja, sobretudo nos municípios do Cazenga, Cacuaco e Viana. Para tentar minimizar os estragos das chuvas foram realizados trabalhos de sucção das águas, a abertura de valetas.
No entanto, as autoridades alertaram para a iminência do enchimento e transbordo de várias bacias de retenção de águas das chuvas, bem como o alagamento da maior parte de ruas secundárias e terciárias da periferia de Luanda.
Entendamo-nos. Tudo o que de errado se passa em Angola foi, é e será culpa dos portugueses. A independência poderia ter chegado há 500 anos mas só chegou há 42. A culpa é dos portugueses. Os presidentes de Angola (todos do MPLA) poderiam ser brancos, mas não isso não aconteceu. A culpa é dos portugueses. Angola poderia ser um dos países menos corruptos do mundo, mas não é. A culpa é dos portugueses.
Em tempos recentes, o ex-Presidente da República (que só esteve no poder 38 anos) José Eduardo dos Santos considerou que a província de Luanda vivia “graves problemas decorrentes da situação complicada herdada do colonialismo, mormente no domínio das infra-estruturas e saneamento básico”.
Sua majestade, então rei do país e hoje apenas monarca do MPLA, intervinha na abertura de uma reunião técnica, dedicada à problemática dos constrangimentos sócio-conjunturais da cidade capital, e que juntou alguns membros do Executivo e responsáveis da província em busca de fórmulas mais consentâneas para a implementação dos projectos decorrentes de programas aprovados há alguns anos.
Segundo o então Presidente, os 30 anos de guerra que o país viveu (por culpa dos portugueses, é claro) não permitiram a mobilização de recursos humanos e financeiros para satisfazer todas as expectativas das populações.
Para Eduardo dos Santos, os desafios são enormes, as despesas cresceram muito e, em certos casos, “superam a nossa capacidade”, daí a necessidade de recorrer-se à sabedoria no domínio da gestão parcimoniosa.
José Eduardo dos Santos disse também ser preciso trabalhar com base em prioridades “atacando os problemas essenciais”, que, por sua vez, permitam a resolução de outros, decorrentes dos eixos fundamentais.
Antes dessa reunião, no Marco Histórico “4 de Fevereiro”, no município do Cazenga, com titulares das pastas da Construção, Transportes, Planeamento e Desenvolvimento Territorial, Urbanismo e Habitação, os secretários de Estado das Águas e do Tesouro, entre outros responsáveis, o “querido líder” cumpriu uma jornada que o levou às obras de intervenção na zona conhecida como da “Lagoa de São Pedro”, na comuna do Hoji-Ya-Henda, assim com a algumas vias rodoviárias, que supostamente vão conferir melhores condições de vida às populações.
Foi então que, com a impressão digital de um dos seus sipaios (no caso até é filho incerto de pais portugueses) que dirigia o Pravda do regime, Eduardo dos Santos mandou dizer que “no ano de 2015, de grande significado para os angolanos, a empresa lusa Mota-Engil foi contratada para reabilitar todos os passeios e ruas da cidade de Luanda”.
Até aqui tudo normal. Mas seguiu-se a reprodução do argumentário simiesco do sipaio (José Ribeiro, então director do Jornal de Angola), com o aval do Presidente: “Durante as obras, a construtora vedou com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas. Quando nesse ano as fortes chuvas chegaram, as ruas ficaram transformadas em rios e no sítio dos esgotos abriram-se crateras que ainda hoje se vêem.”
E depois não querem que a rapaziada critique Portugal, mesmo que tenha de se descalçar pra contar até 12. Então a Mota-Engil “vedou com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas”? Isso é coisa que se faça? A ideia seria dar razão a Eduardo dos Santos quando este fala da “situação complicada herdada do colonialismo, mormente no domínio das infra-estruturas e saneamento básico”. Mas, convenhamos, poderiam não ter vedado “com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas”.
“Com a acumulação de charcos e lixo, as condições de saúde na capital angolana degradaram-se. A cidade foi assolada por um surto de febre-amarela. A crise só foi ultrapassada com a substituição do governo provincial”, escreveu o Pravda. E escreveu muito bem, ou não estivesse a reproduzir o recado de um líder que até conseguiu pôr o Rio Kwanza a desaguar na foz e não na nascente…
É claro que para além da Mota-Engil há muitos mais culpados, todos portugueses… por culpa de Portugal, país do qual o actual Presidente João Lourenço faz questão de (supostamente) se afastar. Em Abril de 2016, o Pravda, também em Editorial assinado por José Eduardo dos Santos sob o pseudónimo de José Ribeiro, criticou os “amigos da desgraça” e a “imprensa do Rossio”, referindo-se ao tratamento jornalístico em Portugal do anunciado pedido de apoio do Governo angolano ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
“Foi notória a forma ligeira e pretensiosa como alguma imprensa à margem do Tejo, useira e vezeira em desejar desgraça em casa alheia, saiu à rua para lançar diatribes à volta de um suposto programa de resgate económico monitorado pelo FMI, organização de que Angola é membro de pleno direito”, escreveu o pasquineiro.
“Cá dentro, a imprensa do Rossio foi secundada com o anúncio apocalíptico de bancarrota. As finanças públicas não existem mais, segundo o porta-voz da UNITA [Alcides Sakala], que é, para nossa desgraça colectiva, membro da Assembleia Nacional, um órgão de soberania que merece todo o nosso respeito”, dizia o editorialistas. Acrescente-se que, mais uma vez, a culpa é de Portugal que permitiu que UNITA existisse e que, ainda por cima, fosse considerado um movimento angolano.
“Não fosse a UNITA useira e vezeira em discursos inócuos e sem qualquer sustentação técnica, dir-se-ia que o homem perdeu completamente o Norte e agora confunde Angola com Portugal e o rio Kwanza com o Tejo, tal a sintonia com que o homem orquestra a canção do resgate e da austeridade com os amigos do Rossio”, dizia o editorial do Pravda do regime.
Com todo este cenário, é bom de ver que Portugal para se redimir de todos os seus históricos erros em relação a Angola, deve rapidamente pedir desculpas às terças, quintas e sábados e pedir perdão às segundas, quartas e sextas. Aos domingos deve tomar a hóstia que tira todos os pecados.
A bem, é claro, da Nação. Da nação do MPLA, entenda-se.
Folha 8 com Lusa